Uma germinação sem semente

 

Trabalho pioneiro desenvolvido pelo Prof. Marco Aurelio Zezzi Arruda é exemplo das múltiplas possibilidades da nanobiotecnologia.

Calos de soja sendo proliferados em meio de cultura: integridade genética da planta é preservada

Qualquer criança das grandes cidades, mesmo sem nunca ter ido ao campo, já viveu na escola a experiência de plantar grãos de soja, feijão ou milho em pequenos vasos, irrigá-los e, alegremente, descobrir a germinação, acompanhando a formação das mudinhas e o desenvolvimento da planta. Hoje, a nanobiotecnologia – que se vale da engenharia genética, da biologia molecular e de nanopartículas inferiores a 100 nm (um bilionésimo do metro) – possibilita chegar à mesma planta sem a utilização de sementes. Isso pode ser conseguido, por exemplo, juntando pequenos fragmentos de uma planta de soja em uma solução nutriente adequada. Em poucos dias, formam-se pequenos calos embriogênicos, aptos a constituírem o embrião de uma nova planta.

Para evitar a oxidação desses calos pelo oxigênio atmosférico, o que comprometeria sua utilização, são adicionadas, à solução nutriente, nanopartículas apropriadas no momento adequado. Esses calos, resultantes de um aglomerado de células vegetais primárias, assemelham-se às células-tronco humanas. Por meio de processamento, eles podem dar origem a uma infinidade de “clones” da planta de partida, preservando sua integridade genética, sem necessidade da semente.

Descrito de forma abreviada, o processo parece simples, mas envolve uma série de complicadores a serem superados. Ao mesmo tempo, porém, faz vislumbrar a possibilidade do emprego da nanobiotecnologia em múltiplas direções e situações. É o que constata, sem esconder o entusiasmo, o professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, pioneiro nesses estudos com a soja.

Em encontro científico (International Caparica Con- ference on Analytical Proteomics – Icap, Portugal) envolvendo projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o docente foi convidado pelo editor da publicação americana Journal of Agriculture and Food Chemistry a escrever um artigo sobre o emprego da nanotecnologia na agricultura e na produção de alimentos. A relevância do trabalho, intitulado Plenty of room at the plant science: nanobiotechnology as an emerging area applied to somatic embryogenesis, levou o periódico a publicá-lo como tema de capa.

No artigo, o professor Zezzi se detém em apresentar as principais oportunidades, os desafios e as perspectivas decorrentes do emprego das nanopartículas na agricultura e enfatiza a necessidade de regulamentação jurídica dos procedimentos correlatos. “É urgente iniciar discussões com o poder público para o estabelecimento de regras sobre os usos dos nanomateriais aplicados na agricultura. Essa regulação é importante para o Brasil, grande exportador de commodities”, observa. Colaboraram na produção do texto as pesquisadoras pós-doutorandas Ana Beatriz Santos da Silva e Lilian Seiko Kato, graduadas, respectivamente, em Química Industrial e Ciências de Alimentos.

O projeto temático liderado por Zezzi tem como principais escopos: a utilização de nanopartículas para retardar a oxidação e consequente degradação do calo durante o seu desenvolvimento in vitro; mitigar o efeito de contaminantes na bioquímica das plantas; utilizar nanopartículas como carreadoras de fertilizantes para desenvolvimentos mais produtivos; e realizar, diretamente no calo, transformações para melhoramentos genéticos que levem a plantas com maior resistência às variações de temperatura, à seca, às pragas, às geadas e a outros fatores.

O professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, coordenador das pesquisas, e as pós-doutorandas Lilian Seiko Kato (à esq.) e Ana Beatriz Santos da Silva
O professor Marco Aurélio Zezzi Arruda, coordenador das pesquisas, e as pós-doutorandas Lilian Seiko Kato (à esq.) e Ana Beatriz Santos da Silva

Duas variantes

Atuando em uma das variantes do projeto, Silva se deteve em avaliar como as nanopartículas se comportaram durante a proliferação do tecido embriogênico somático (calos). A embriogênese somática, que consiste na geração de plantas a partir do cultivo in vitro, em laboratório, traz vários benefícios para as denominadas “plantas sem semente”, que conservam características idênticas às da planta-mãe.

Os resultados mostraram que, por um longo período, essas partículas contribuíram para a preservação dos processos de oxidação dos calos e, para surpresa da pesquisadora, a incorporação dessas nanopartículas nas células e nos próprios calos foi baixíssima, evidenciando contaminação ínfima pelo metal da nanopartícula, o que viabiliza o processo.

No âmbito da linha de pesquisa, coube a Kato entender como outros tipos de nanopartículas, aplicadas na cultura dos calos de soja in vitro, afetam a produção de metabólitos secundários nas células neles presentes. Os metabólitos secundários são metabolizados pela planta quando agredida por um agente que lhe é estranho.

Os resultados preliminares mostraram que as nanopartículas, causadoras de estresse nos calos, induzem à autodefesa, que se manifesta por meio da produção de metabólicos secundários que atuam como antioxidantes, caso dos flavonoides, taninos e carotenoides, além de outras substâncias ainda em investigação, sendo várias desconhecidas. Esses antioxidantes agem nos calos de maneira positiva, prolongando sua vida útil e aumentando sua biomassa. Além disso, esses compostos são de grande interesse para a indústria nutracêutica e farmacêutica por suas propriedades únicas e determinados potenciais anticancerígenos.

Coleta de tecido de planta de soja para a indução de novos calos
Coleta de tecido de planta de soja para a indução de novos calos

PRÓXIMOS PASSOS

Apesar do pioneirismo da pesquisa, o proessor Zezzi pondera que os estudos ainda são embrionários. “Precisamos ampliar a participação multidisciplinar, fundamental nas pesquisas moernas, embora o projeto da Fapesp já caminhe nessa direção. Necessitamos, ainda, estabelecer parcerias com empresas que empreguem biotecnologia e possuam grandes áreas de cultura para a realização de ensaios que permitam comprovar os resultados de laboratório. Como é natural nesse tipo de trabalho, existem dificuldades inerentes ao processo a serem superadas, antes de chegar a uma muda robusta para utilização em plantio”.

O docente acrescenta que, no contexto da na-nobiotecnologia, é preciso atingir uma diversidade de aplicações tanto em termos de uma agricultura sustentável como no uso de nanocarreadores, sejam nanofungicidas ou nanofertilizantes, de forma a garantir que o produto agrícola destinado à alimentação seja organicamente seguro e possua maior teor de nutrientes e de antioxidantes, além de outros potenciais benefícios.

Autoria: Carmo Gallo Netto. Fotos: Felipe Bezerra. Edição de imagem: Alex Calixto | Paulo Cavalheri

Originalmente publicado em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/687/uma-germinacao-sem-semente

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